sinopse

A partir de um trabalho acadêmico sobre a violência sexual intrafamiliar, ou seja, a que acontece no ambiente da própria família da vítima, a psicóloga Liliane Alcântara de Abreu desenvolveu uma ampla pesquisa que mostra não só os dados estatísticos, as questões psicológicas envolvidas e até mesmo padrões históricos, como também nos traz 7 fortes relatos de vítimas.

Um imenso percentual dos casos de estupro e abuso ocorrem dentro dos lares, onde as vítimas deveriam estar em segurança, e ninguém externo fica sabendo. Em 2018, foram 32 mil casos notificados no Brasil (cerca de 3 casos por hora) e as principais vítimas são crianças e adolescentes.

Além de entender as várias teorias de apoio disponíveis como ferramenta para compreensão dos processos psicológicos e comportamentais que compõem o processo da violência sexual, a autora usa sua voz para denunciar uma cultura que impõe o silêncio e a minimização dos casos denunciados.

É um livro forte, denso e que mostra uma realidade perturbadora.

Um grito que precisa ser lido!

A ideia da elaboração deste livro foi consequência de um trabalho acadêmico com a finalidade de aquisição de uma melhor compreensão sobre o tema “cultura do estupro”. Mas, a partir dali, cresceu em proporções que desembocaram no ímpeto investigativo sobre as implicações reais do que ocorreria com vítimas de violência sexual intrafamiliar – aquelas na qual o abusador encontra-se dentro de casa ou é alguém conhecido e de confiança –, devido a uma série de eventos pessoais que culminaram no mesmo espaço de tempo.

A temática ainda é difícil de ser discutida nas sociedades atuais, mesmo essas sendo mais modernas e desenvolvidas. O assunto é incômodo, doloroso, delicado e muitas vezes repugnante, porém, é algo que deve ser aberto para debates entre os grupos sociais, entidades e profissionais envolvidos, promovendo não só entendimento, mas reeducação e soluções para a questão.

Buscando as reais interseções entre esses fatores, surgiram muitos questionamentos: como ocorre o processo de banalização da violência e abuso sexual? Como se constrói social e pessoalmente esse indivíduo predador e por que ele age assim? Até onde vai a racionalidade desse sujeito e onde se estabeleceria uma doença? Como proteger e tratar as vítimas? Como o profissional de Psicologia deve se portar diante da possibilidade de tratamento de vítima ou agressor?

Não só isso. Todos esses questionamentos iniciais poderiam ser respondidos através de uma boa pesquisa teórica, mas ainda havia brechas. Logo, houve a necessidade de se conhecer detalhadamente e de perto o mapa das vítimas mais invisíveis: as intrafamiliares. Diferente das vítimas de violência sexual extrafamiliar (fora de casa), em que as ações são pontuais e geralmente rápidas – com exceções para casos com sequestro, incluindo rede de prostituição de mulheres, mas isto é outro estudo de caso –, a vítima intrafamiliar (dentro de casa) é abusada por anos seguidos, tendo que manter o silêncio, sem socorro ou qualquer tipo de ajuda que possa impedir a ação de seu agressor. Então, como as vítimas sobreviventes ultrapassam os anos, e como fazem aquelas que se ressignificam ou mesmo sobrevivem sem sucumbir ao suicídio, como é o caso das meninas (e meninos) abusadas pelos próprios pais biológicos?

Aqueles que ouvem os relatos dessas vítimas percebem uma similaridade sob certos aspectos, mesmo os casos sendo diferenciados. Isso levantaria questionamentos como, no que se refere ao abusador de menores: ele continuaria a mentir como justificativa de seus atos, mesmo depois de desmascarado? Vítimas de violência exibiriam tamanha empatia por outras iguais que seriam capazes de se expor publicamente tentando criar uma corrente protecionista (e por isso até encontrando o caminho de autocura)? Da mesma forma, uma vítima intrafamiliar seria capaz de se tornar algoz de semelhantes de tal infortúnio, tornando-se o dominador que destrói? E as duas perguntas que mais me incomodavam: por que o abusador faz isso e por que as pessoas próximas (como a mãe) sabem e nada fazem?

As várias formas de violência são mais do que atuais e cotidianas, e esses eventos não são oriundos apenas da contemporaneidade, pois há relatos históricos que mostram que até mesmo na mitologia mundial já existia esse tipo de conduta de violação do corpo do outro sem consentimento.

Para isso, além de entender as várias teorias de apoio disponíveis como ferramenta para compreensão dos processos psicológicos e comportamentais que compõem o processo da violência sexual, se fez necessária uma pesquisa em profundidade com vítimas de casos intrafamiliar.

 

PROCURANDO POR RUÍDOS

 

Os questionamentos para as pesquisas iniciais eram muito presentes desde o início da coleta de dados teóricos. Elas se intensificaram por questões particulares – como já foi citado – e com os acontecimentos sociopolíticos das Eleições Presidenciais 2018 no Brasil, regrados ainda pela extrema preocupação com as diretrizes sociopolíticas que vinham sendo anunciadas. Concomitantemente, políticos da extrema direita conservadora estavam tentando implementar, através de leis, o impedimento das informações a crianças, para que elas parassem de receber na escola orientações de profissionais especializados sobre abuso sexual. Essas palestras estavam propiciando, nos últimos anos, que muitas crianças denunciassem estupradores e molestadores em grande escala, e tendo o direito a essa defesa que nunca houve antes. Essas vozes estariam correndo um grande risco de voltarem a se calar.

Somente aos molestadores interessa o silêncio, e em paralelo, muitos apoiadores dessa ausência de denúncias – o que por incrível que pareça, inclui uma infinidade de mulheres – alegam que o abuso intrafamiliar não existe e/ou são casos “pontuais e isolados”. O fato é que um imenso percentual dos casos de estupro e abuso, independentemente de classe social ou etnia, ocorrem dentro dos lares, onde as vítimas deveriam estar em segurança, e ninguém externo fica sabendo. Milhões de mulheres (e muitos homens) são vítimas de abusos na infância e adolescência através de um conhecido ou familiar em suas próprias casas (ou em locais tidos como seguros). O grito desesperado das vítimas continua ensurdecedor dentro de seu próprio silêncio.

Os dados da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Fundação das Nações Unidas para a Infância (Unicef) (2020) sobre violência sexual contra crianças e adolescentes são alarmantes e crescem a cada ano, e não são restritos a uma etnia, gênero ou classe social. Contudo, a constatação estatística é que as mais afetadas sejam pobres, negras e do sexo feminino. A idade é igualmente variável, podendo ir dos 2 aos 19 anos, mas isto é relativo (pode começar com menos).

Durante a teorização inicial, alguns pontos tornaram-se incômodos sobre afirmações nos textos dos próprios autores, enquanto outros reforçaram os pensamentos sobre fatos atuais. Logo, temáticas estudadas como mentira (do dominador), o rompimento do ciclo de poder e a tomada de consciência integral pelo dominado foram o foco de atenção.

Assim, eu fui atrás das(os) possíveis entrevistadas(os). Cinco grupos específicos em rede social, que totalizavam juntos 5.072.327 membros (sim, mais de cinco milhões de indivíduos) foram contatados.

Centenas de pessoas se pronunciaram em enorme quantidade e incentivadas por outras que começaram a contar suas histórias relativas à violência sexual nos grupos fechados de internet. Diante do ciclo de solidariedade, as vítimas começaram a se apresentar, contando brevemente seus casos, e muitas vezes deixando o ruído de suas dores serem ouvidos pela primeira vez. Era tocante e impressionante, simultaneamente.

Diante disso, vislumbrei que iria obter um vasto número de voluntários dispostos a falar. Preparei material e explanei a importância do projeto para criação deste livro, para que ele pudesse ajudar profissionais e estudantes de Psicologia, mas, acima de tudo, para que servisse de apoio a outras vítimas (e mães de vítimas), ajudando-as no processo de entendimento do que lhes ocorreu e, a partir disso, que elas ressignificassem toda sua dor e conseguissem ter a força e a coragem para falar o que lhes ocorreu.

Com muita dificuldade, coletei, entre dezembro de 2018 e agosto de 2020, os testemunhos de sete vítimas de violência sexual intrafamiliar – justamente pelos bloqueios de verbalização que quase todas tiveram para os relatos. Assim, só me restou aguardar pacientemente o momento que elas conseguissem me contar suas histórias durante esse tempo. Todas se encontravam em localizações geográficas diferentes no Brasil, portanto, englobam mulheres de idades, etnias, origens e classes sociais muito diferenciadas, mas com a mesma demanda de violência.

Por tudo isso, você, leitor, verá que a linguagem do texto não está rebuscada, pois a pretensão é de alcance aberto. Ademais, em certos pontos, em que uso algum termo mais técnico e peculiar da Psicologia, faço uma breve explicação para que, assim, todos consigam acompanhar todo o entendimento sem maiores problemas. Para compreender todo o processo, é necessário conhecer os mecanismos criados pela cultura do estupro até chegar aos silêncios que devem ser ouvidos, e é isto que será visto adiante.

O resultado do processo de pesquisa será apresentado durante o curso da leitura. Seja como for, eu espero profunda e sinceramente que esse trabalho seja útil e ajude nos entendimentos, seja você estudante, profissional, vítima ou mãe de uma vítima.

Silenciadas

O universo da violência sexual intrafamiliar

Liliane Alcântara de Abreu

  • 15,70
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detalhes do produto

  • Título: Silenciadas
  • Autor: Liliane Alcântara de Abreu
  • Assunto: Sem categoria
  • Editora: Sagarana Editora
  • Ano de lançamento: 2022
  • Idioma: Português
  • Nº de Páginas: 428
  • ISBN eBook: 978-989-53173-5-6
  • ISBN Impresso: 978-989-53173-6-3
  • Encadernação: BROCHURA

Sobre o autor

Liliane Alcântara de Abreu

Liliane Alcântara de Abreu

Liliane Abreu é Psicóloga formada pela UNIP-SP. Pós-graduanda em Terapia Cognitivo Comportamental (PUC-PR). É arteterapeuta (AATESP) e professora especialista em Neurociência Pedagógica (AVM/UCAM, 2015); bacharela em Design com habilitação em Moda (Senai CETIQT, 2007) e especialização em Artes Visuais (Unesa, 2009) e em Pesquisa de Comportamento e Consumo com enfoque em Antropologia (Senai CETIQT, 2013). É ativista em Direitos Humanos e voluntária em projetos sociais.

Desde fevereiro de 2019, participa da administração do grupo MUCB (Mulheres Unidas Contra Bolsonaro), que criou o movimento mundial #EleNao.

Autora do livro Silenciadas - O universo da violência sexual intrafamiliar.

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